Quando escolhemos ser anfitriados pela natureza, nos presenteamos ao mesmo tempo com o que há de mais novo e ancestral nos processos de desenvolvimento humano. Criar espaços de diálogos verdadeiros entre nós em meio à natureza potencializa nossa capacidade de realizar transformações internas e externas. E presentear-nos com um momento de recolhimento, com uma pausa no meio disso tudo para alargar o tempo interno e dar lugar às transformações necessárias acontecerem em silêncio profundo é um convite para ampliação dos sentidos.
Por que natureza?
Como tem sido cientificamente observado, o contato com a natureza melhora a performance humana. Aumenta em 50% a nossa criatividade e a capacidade de resolvermos problemas. Quem diz isso é David Strayer, psicólogo e pesquisador da Universidade de Utah, nos EUA. Depois do terceiro dia de imersão com a natureza, longe do burburinho da cidade e da influência das sedutoras distrações eletrônicas às quais sucumbimos cotidianamente, nossa mente se limpa. Passamos a ter os sentidos recalibrados, sintonizados com a vida e ampliamos a qualidade do nosso pensamento. A hipótese do pesquisador é que a imersão com a natureza por dias proporciona um relaxamento profundo do córtex pré-frontal, a parte que comanda o cérebro.
Você nunca se revigorou depois de um mergulho no mar ou numa cachoeira gelada? Ou quando contemplou um pôr-do-sol lá em cima de uma montanha? Ou simplesmente por ter se atentado ao canto de um pássaro no seu jardim? Ou ter se encantado por uma flor que nunca tinha percebido que estivesse ali? Isso acontece porque essa interação “desencadeia emoções positivas, mantém o estado de atenção não vigilante, diminui pensamentos negativos e possibilita o retorno da excitação fisiológica para níveis moderados” (Gressler, 2014 citando Van Den Berg & Custers, 2011).
A imersão com a natureza oferece a possibilidade de vivenciarmos – simultaneamente – uma composição de elementos, que os cientistas chamam de os quatro fatores promotores da restauração da atenção. O primeiro deles é a fascinação, ou a atenção involuntária, que não exige esforço e permite à capacidade de atenção concentrada ser renovada. Em seguida, vem o afastamento que apresenta tanto um componente físico, distinto do usual, quanto um componente psicológico, como a fuga das lembranças das obrigações rotineiras. O fator extensão, por sua vez, refere-se às propriedades de conectividade, alcance e profundidade, isto é, um todo no qual cada um dos seus elementos se relaciona com nexo. Sendo intrigante e engajando a mente, este é o que vai além do que é percebido em primeiro plano. E, por fim, o fator compatibilidade, que relaciona os propósitos pessoais ao suporte que o ambiente oferece para desenvolvimento de atividades humanas. Fator esse que pode evitar o esforço mental exaustivo (Kaplan, 1995, em Gressler, 2014). Para Rachel Kaplan e Stephen Kaplan (1989), quanto mais eficiente for o encontro do indivíduo com o lugar (podemos dizer com a natureza), maior será o poder restaurador da atenção.
Ademais, há estudos que demonstram o quanto a natureza é capaz de promover curas psicofísicas, diminuir stress e reduzir o tempo de reabilitação de pacientes que mantêm contato frequente com ela.
Outros vêm demonstrando que, morando perto da natureza, as pessoas sentem-se, além de mais felizes, mais ricas. Isso ocorre mesmo vivendo em condições desprivilegiadas economicamente, segundo Richard Mitchell, da Universidade de Glasgow, na Escócia.
E quanto às conversas?
As conversas são importantes “porque somos seres humanos feitos de histórias” e não apenas de átomos. Aprendemos a ser quem somos em relação com o outro. Somos seres construídos por meio da linguagem que compartilhamos nos contextos de nosso convívio social. A qualidade dessas conversas é o que distingue, cria e condiciona o ser humano que somos. É por meio desse espaço dialógico coerente, íntegro e compartilhado, ancorado nas verdades e sentidos de cada um de nós, que compomos nosso mundo interno e externo.
Já ouviu falar das crianças selvagens? São pessoas criadas dentre animais selvagens, principalmente entre lobos, e que não aprenderam a se tornar humanos. Em sua maioria, depois de retiradas do contato com seus criadores, morreram. As que não morreram logo, não se desenvolveram, ou conquistaram de modo quase irrisório as capacidades que lhes dessem algumas características humanas, tais como a fala, a capacidade de demonstrar emoções, de sorrir e chorar.
Apenas nossa origem biológica não é suficiente para nos oferecer as capacidades de vivermos humanamente. Só nos tornaremos humanos se formos cuidados, desde quando nascemos, por outros seres que, do mesmo modo, aprenderam a serem humanos e que nos ensinarão como sê-lo.
O convívio social é fundamental para o desabrochar de nossa singularidade.
As conversas com sentido e significado nos ajudam a entrar em contato com o que nos é caro, com aquilo que toca em nossos valores e princípios mais profundos. É em relação com o outro que percebemos verdades intrínsecas do nosso ser. As quais, muitas vezes, nem sabíamos que viviam aqui dentro antes de sermos colocados em cheque por outrem que parecia ser tão diferente de mim. Essas conversas profundas – que são bem diferentes daquelas que estamos acostumados a praticar em nossos cotidianos, no trabalho, na família, no boteco com os amigos – nos ajudam a reconhecer e lidar com nossas emoções de modo consciente. Isso nos prepara para lidar com as adversidades que encontramos no caminho do autodesenvolvimento.
E qual o lugar da pausa nessa história?
A pausa aqui proposta é o momento original da experiência direta consigo em meio à natureza. É proporcionar o seu espaço interno ampliado, no qual você se permite viver as transformações que precisa para se autodesenvolver. Ou, para alguns, é o momento primordial de dar-se conta da necessidade de transformações ocorrerem, para adiante escolher como lidar com elas. A pausa é a hora de permitir-se estar em contato apenas consigo, abraçando suas contradições e reconhecendo os valores que te fizeram ser quem és até o presente.
Portanto, a fórmula é simples e poderosa: natureza + pausa + conversa = percepção e ressignificação da vida que pulsa dentro e fora de mim = potencialização da minha capacidade de fazer escolhas coerentes com quem sou.
O convite, então, é para que deixe a natureza anfitriar seu processo desenvolvimento pessoal.
Para saber mais:
https://www.sacredpassage.com – John P. Milton
Ontologia da Linguagem – Rafael Echeverria
Biologia do amar – Humberto Maturana
http://archive.unews.utah.edu/news_releases/nature-nurtures-creativity-2/Nature Nurtures Creativity.
Belo texto e otimas referências, Marina. Obrigado!
A pausa para alimentar as conversas… e também, olhando de um outro ângulo, as conversas que pedem pausas…
Além de buscarmos os espaços naturais para estas pausas, levá-los conosco onde formos pode ser um poderoso instrumento a nos permitir pausar com atenção na intenção da boa escuta a cada momento.
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Que bonita reflexão, Mari. Parabéns!
Fórmula é simples e poderosa mesmo! Fizemos nosso último curso em imersão e fiquei impressionada com a diferença na qualidade do aprendizado e na profundidade da experiência das pessoas.
E me pergunto por que insistimos tanto em permanecer no vício da vida urbana?
Ah, as pausas na natureza! Que necessárias!
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Marina, obrigado por compartilhar reflexões tão enriquecedoras.
Essa questão “de que somos seres humanos feitos de histórias, e não apenas de átomos”, é essência que justifica toda a proposta em seu artigo.
E “relacionar os propósitos pessoais ao suporte que o ambiente fornece” é uma técnica para restaurar a qualidade da atenção. Assim aprendendo e sendo mais humanos, conectados “com o que nos é caro e toca em valores e princípios mais profundos.”.
Maravilha será um mundo de seres conectados consigo (self) e com seu entorno.
Preservando valores, propósitos e nobreza no espaço de conversa.
Parabéns.
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